A vida não tá fácil, guri. Feito cadeia, as coisas vão se desmoronando em sequência, como tivessem sido ensaiadas para machucar. Parece mais um teste de resistência, tentativas, uma atrás da outra, de encontrar a viga que pode pôr todo o edifício ao chão, tudo o que se construiu há anos em destroços. Tá difícil, pequeno menino, precisar ter uma rigidez aparente quando tudo anda por um fio, todas as verdades sensíveis, os clichês tão defendidos sendo desmitificados. É complicado procurar o que antes era seguro se amparar e vê-lo interditado. E procurar outros suportes temporários, algumas distrações e sim, encontrar, perceber que é possível viver sozinho, mas não é tão agradável.
Não gosto onde estou. Mas é preciso relutar. Quando o ego se fere demais, ir à luta não é uma boa idéia. Quando se está cansado demais, onde encontrar forças? É triste ver tudo o que se acredita se perdendo a sua frente. Mas não é covardia não fazer nada. Decepção te deixa sem ter o que fazer, põe em dúvida se vale a pena ir atrás. Mas de novo? Mais uma vez tentar mostrar que desse jeito rude, meio rústico de tentar dar amor, é a única e verdadeira forma que nasci sabendo fazer tal.
A mulher que mora na frente do hospital sabe dar amor dando dinheiro à filha. O pai da moça de olhos bonitos mas opacos mostra-se preocupado apenas brigando com ela. O cachorro da mesma moça pede carinho roçando-se nela. Eu dou chutes. Piso, xingo, grito sem paciência. Mas aqui dentro, como qualquer corpo existem sentimentos. Nunca faltei com minha fidelidade apesar de todas essas farpas. Farpas que talvez machuquem, mas sempre dão apoio na necessidade. Quem convive deveria saber. E por quê não sabe?
Daqui se pede carinho, demonstrações de afeto. De cá pra lá só se requer compreensão e respeito. É pedir muito? Eu pensei que quando a gente amasse do jeito que a gente diz que ama alguém, esse alguém fosse aceitado por completo, com suas falhas e manias. Mas talvez apontar o dedo com o erro do outro na cara seja mais divertido. Mesmo ouvindo tanto, conhecendo tanto... Talvez tenha me enganado muito quando achei que falava as coisas e as pessoas realmente ouviam. E como um livro julgado pela capa, como nunca tivesse sido aberto, fica a impressão de não ter ninguém que te entenda, que te diga que conhece seus defeitos mas te compreende. Afinal, os que antes aparentavam fazer isso, hoje te viram as costas.
Dá vontade de gritar e expelir toda essa fúria, essa tristeza, esse desespero ou qualquer que seja o nome dessa coisa sem nome. Mas tenho medo de ouvir apenas o eco de minhas palavras. Então calo.
Engole o choro mocinha, que lágrima nunca limpa a sujeira da vida. Só enfeia tudo criando lama.
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