
Não era o rostinho mais doce, nem mais suave, muito menos o mais bonito. Era um rosto normal. Cabelos normais. Normal por inteira. Vivia uma vida normal e eu também estava normal pensando em coisas relativamente normais quando a avistei. Ela se aproxima e há o olho no olho. Que olhos lindos! Era um azul opaco magnífico. Com aquele brilho de alegria deveria ficar a coisa mais linda. Por falar em brilho, por onde será que andava? Naquela tarde, ela não demonstrava um sorriso para que eu me vislumbrasse também, mas acho que nada se comparava àquele olhar. Olhos tão pequeninos, digo mesmo às pálpebras. Redondinhos, puxavam a ponta quase despercebida aos não admiradores dos mesmos. Passei mais dias em sua presença ensolarada, fazia tempo que não parava e observava tanto. Mas o brilho não surgiu um dia sequer. Mesmo desnecessário, ao acostumar-me com aquele olhar, ele tornou-se essencial para uma beleza íntegra. Aprofundei mais àquele rosto meio conhecido. Tratava-se de alguém que rodeada de uma multidão de pessoas se sentia sozinha; alguém de muitos amigos mas que não encontrava um para dividir a dor junto, mesmo sabendo que aquela dor era só sua. Mas quem terá sido a alma ruim que a baniu do brilho? Ainda não havia achado a resposta para nenhuma das minhas questões. Um dia parei de verdade a observá-la e cheguei a terrível conclusão: se não havia brilho, não havia felicidade. A opacidade se dava através da solidão, pela insatisfação com a vida, decepções e saudades de um tempo que teima em não voltar. Não aguentei. Ousei em perguntar.
- Quem foi que fez isso com você, menina?
- Eu me perdi de mim mesma. Perdi meus sonhos, minhas expectativas, a piada e o amigo. Tudo por um amor! E ele me deixou cega, sem sorrisos permanentes e sem o discernimento do chega ou continua. Eu não conheço mais meu limite e não sei qual dos caminhos a dor está gritando a favor. Estou cansada mas continuo caminhando a um destino que desconheço.
- Diz-me o nome de quem te fez isso e eu vou te trazer teu tão necessário brilho.
- A esperança - disse. Ela me arrancou do meu eu. Não sei retornar de onde vim mas enquanto ela permanecer aqui continuarei.
- Deixa que eu te guio, menina - respondi e ela rebateu feito zumbi.
- Me deixa ficar. Esse é o tipo de carma que eu preciso carregar porque a coisa me prometeu devolver tudo quando eu chegasse onde um outro brilho se fizesse sozinho.
E parti. Faz tempo que não a vejo nem de longe, mas algo me diz que quem fez tudo isso foi outro alguém. Esperança foi a única coisa que lhe restou, afinal ela é sempre a última que morre. A que sempre leva a culpa também, que funciona para, no caso, ela não desistir desse caminho tão cheio de pedras e perdas, pois no fim dele ela conquistará o brilho permanente de seus olhos e tudo o que não caminhava com ela faz já um tempo.
